Escutar música era um ritual bastante diferente do que é hoje há 20 anos. Para descobrir música nova era preciso ter acesso à revistas estrangeiras, que falavam das bandas do momento antes que elas chegassem a tocar nas rádios do Brasil. Daí, então, vinha a visita até a loja de discos, a encomenda do disco importado e a espera. O maior presente que um aficionado por música poderia ganhar era um gravador, já que só assim era possível registrar músicas de artistas diferentes na ordem que você queria em um lugar só – a fita cassete. Não dava pra saber onde começava ou terminava uma canção em um disco ou em uma fita e, por conta de todo esse trabalho, era muito mais comum separar um momento do dia apenas para escutar música.
Em 2014, um celular ou computador comporta centenas de arquivos de MP3. Com alguns cliques você arrasta as faixas, monta um playlist e envia para quem quiser. Pode escolher ouvir uma música só ou todas e pode descobrir música regional escandinava também com apenas alguns cliques. “Ter acesso à música quando eu era moleque era muito complicado, as coisas demoravam muito pra chegar ao Brasil, as informações vinham truncadas, era sempre complicado comprar um disco ou ouvir as novidades. A gente sempre dependia de um amigo mais viajado, de dois ou três programas de rádios e uma ou duas revistas para podermos ficar mais inteirados do que estava rolando”, conta o publicitário Danilo Cabral, de 38 anos. Ele, que é viciado em música, comemora a facilidade com que hoje é possível consumir, produzir e tomar contato com músicas, filmes e séries, por exemplo. “Na vida analógica, era muito difícil. Quase ninguém tinha câmera e o alcance dos vídeos era, no máximo, nossa própria família”, relata.
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Apesar de ser colecionador de discos de vinil, Danilo não se diz “nostálgico” de como as coisas eram feitas no passado. “Mas uma coisa que me incomoda às vezes é o excesso de informações, muitas vezes, inúteis. Como diz uma amiga, ‘meus amigos eram muito mais interessantes quando eu não sabia de tudo o que acontecia na vida deles, em tempo real’”, desabafa.
O comportamento relacionado ao consumo de cultura pop foi um dos aspectos que mais mudou na nossa vida nos últimos 20 anos. No entanto, foi apenas um deles. Nesse tempo, a onipresença da internet em nosso dia a dia já mudou radicalmente outros aspectos de nossas vidas. Danilo nota que as redes sociais também alteraram completamente nosso relacionamento com amigos, família e parceiros amorosos. “Antes, era preciso um esforço ativo para se manter participante da vida de um colega distante. Ninguém conhecia tanta gente e era comum perder contato”.
“Até a gente entender que não faz sentido produzir tanto, somos crianças fazendo compras sozinhas pela primeira vez e colocando todos os doces no carrinho”, diz Edney Souza, consultor especialista em comportamento digital
Já para Edney Souza, professor de Planejamento em Mídias Sociais da FGV e consultor especialista em comportamento digital, o momento em que vivemos nos permite falar com mais pessoas, sem qualquer barreira e de uma maneira rápida e direta. “Hoje, posso falar com gente de qualquer lugar do mundo por um preço barato, de maneira objetiva – porque meu perfil já informa o básico da informação para a pessoa – e, principalmente, falar com várias pessoas ao mesmo tempo. Quem é mais digital, por exemplo, costuma ir direto ao assunto quando manda uma mensagem, porque pula os protocolos de ‘bom dia, tudo bem? ‘, afinal, os status de redes sociais da pessoa servem pra informar justamente isso”, pontua.
Antes, fotos eram tiradas para registrar momentos especiais. Hoje, esse é só um dos motivos, e há especialistas que dizem que essa banalização é prejudicial porque acaba tornando todos os momentos especiais e, portanto, nenhum deles. Se registramos e compartilhamos tudo que acontecer, como catalogamos, mostramos e, principalmente, damos valor ao que é realmente especial? “A gente fala demais, escreve demais e tira foto demais. Precisamos nos reacostumar com o mundo com tecnologia. E é preciso usar ferramentas de curadoria, que selecionem o conteúdo mais importante entre o mar de coisas que produzimos”, diz Edney. “Até a gente entender que não faz sentido produzir tanto, somos crianças fazendo compras sozinhas pela primeira vez e colocando todos os doces no carrinho”, analisa o especialista.
Resumindo, a grande mudança da vida analógica para a digital está no cotidiano: não estamos mais sozinhos, não importa onde estivermos. A internet nos aproximou de outras pessoas no mundo de uma maneira que jamais vislumbraríamos anos atrás, mudou paradigmas sociais e mostrou que somos mais parecidos entre si do que imaginávamos.